Ceticismo e negacionismo do COVID-19: porque algumas pessoas mantêm crenças mortais

Ceticismo e negacionismo do COVID-19: porque algumas pessoas mantêm crenças mortais 1

Traduzido do original. Por Yasmin Anwar em Berkeley News.


Recentemente, várias personalidades conservadoras da mídia, líderes políticos e empresariais e outros influenciadores ignoraram publicamente os avisos sobre os perigos do novo coronavírus, alegando não mais mortal que uma gripe comum. Temos acompanhado um crescente ceticismo, ou em alguns casos, até mesmo o negacionismo do COVID-19 por algumas pessoas.

Enquanto alguns deles voltaram atrás em seus comentários diante dos crescentes casos e mortes globais e nos EUA por conta do COVID-19, muitos de seus fãs continuam insistindo na ideologia de que o contágio é “falso” ou exagerado. Enquanto isso, muitos jovens estão desafiando as regras de distanciamento social de 1,5 metro. Um grupo em Kentucky, nos EUA, até deu uma festa de coronavírus, que ajudou a espalhar o vírus.

O que faz com que certas pessoas sigam suas crenças e ajam com ceticismo, apesar da esmagadora evidência contraditória? O Berkeley News entrevistou Celeste Kidd, cientista cognitivo computacional da UC Berkeley que estuda crenças falsas, curiosidade e aprendizado.

UC Berkley News: Então, por que algumas pessoas ignoram a ciência ou outras evidências para seguir uma ideologia autoritária ou para confirmar seus próprios vieses?

Ceticismo e negacionismo do COVID-19: porque algumas pessoas mantêm crenças mortais
Celeste Kidd. Foto: arquivo pessoal.

Celeste Kidd: Como seres humanos, contamos com outras pessoas para formar nossas opiniões. É a força de nossa espécie e a razão pela qual temos medicina e tecnologias modernas, como smartphones e internet, robôs e vacinas. Damos especial atenção às figuras de autoridade e às opiniões da maioria. Também prestamos mais atenção às crenças daqueles que gostamos sobre aqueles que não gostamos.

As pessoas em posições de autoridade têm o dever especial de ter cuidado com suas palavras por esse motivo. Suas palavras, por natureza de sua posição e estatura, têm maior probabilidade de serem adotadas como crenças pelas pessoas, e em maior escala, do que as palavras de todos os outros. Eles podem usar esse poder para fazer muito bem se forem cuidadosos ou causar muitos danos se não forem.

Por exemplo, recentemente, o presidente Trump sugeriu repetidamente e com confiança que um antigo tratamento contra a malária, a cloroquina, poderia tratar o coronavírus, na ausência de evidências científicas para apoiar essa afirmação. Ele disse que era “seguro”, tinha um “bom pressentimento” e que poderia ser “uma das maiores mudanças na história da medicina”, mesmo depois do Dr. Anthony Fauci, diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases corrigi-lo.

Um homem do Arizona, seguindo o conselho de Trump, ingeriu um limpador de aquário que continha a cloroquina como ingrediente e morreu. As palavras de figuras de autoridade, como chefes de Estado, têm um peso particular em influenciar as crenças das pessoas e podem ser mortais.

Por que escolhemos acreditar em algumas coisas e não em outras?

Muitos de nós gostamos de pensar em nós mesmos como agentes racionais que podem tomar decisões e formar crenças que fazem sentido. Mas o mundo é grande e complexo demais para termos tempo ou capacidade para saber tudo, por isso precisamos escolher. O nome científico para isso é “amostragem” e funciona bem em um mundo dinâmico, onde a verdade aproximada geralmente é boa o suficiente para tomar decisões cotidianas.

Também fomos criados para favorecer a investigação das coisas sobre as quais nos sentimos incertos. Essa tendência nos leva a expandir e atualizar nossa base de conhecimento. Quando sentimos que sabemos tudo, perdemos o interesse e passamos para a próxima coisa. Isso nos impede de perder tempo com o que já sabemos, para que possamos aprender algo novo.

O problema surge quando acreditamos que sabemos tudo o que há para saber, mas estamos errados. Quando isso acontece, estamos menos abertos a mudar de ideia com base em novas informações, porque não buscamos novas informações e estamos mais inclinados a ignorá-las quando as encontramos.

Por fim, quem e o que influencia nossas crenças?

Se todos ao nosso redor parecem acreditar em algo, é mais provável que acreditemos nisso. E esse ciclo de feedback é importante, especialmente desde o início. Por exemplo, se estamos formando uma opinião sobre algo de que não temos plena certeza, é mais provável que decidamos com base nas primeiras evidências que vemos. Tudo isso é inconsciente, e é assim que os sistemas de aprendizado funcionam.

Digamos que sua vizinha mencione que ela está em uma nova dieta de carvão ativado para livrar seu corpo de toxinas. Talvez você esteja inseguro sobre se essa dieta é legítima e então corre para a internet para fazer algumas buscas. Se você pesquisar a frase “carvão ativado”, provavelmente verá um monte de conteúdo pseudocientífico de saúde e bem-estar sobre como o carvão ativado é maravilhoso para todos os tipos de coisas – limpar a pele, curar a ressaca e acalmar a indigestão.

Se as primeiras coisas que você vê ecoam esse ponto de vista, você tende a adotar rapidamente essa crença com mais certeza. No caso da dieta de carvão ativado, isso pode não ser prudente. Não há boas evidências de que o carvão ativado possa fazer alguma dessas coisas. E acreditar que faz, na melhor das hipóteses, lhe tira a oportunidade de descobrir outros métodos baseados em evidências que realmente ajudariam. Na pior das hipóteses, pode ser perigoso.

Alguns tipos de personalidade são mais propensas do que outras a aderir a crenças, apesar das evidências contraditórias?

Todos nós mantemos crenças em face de evidências contraditórias. Todos nós temos crenças que não correspondem à realidade. É inevitável. Mas é possível que algumas pessoas sejam melhores ou piores que outras em manter a mente aberta. Nossa pesquisa anterior sugere que a incerteza torna as pessoas mais dispostas a mudar de idéia. A desvantagem disso é que a incerteza constante pode nos deixar menos dispostos a tomar decisões e agir, o que dificultaria a navegação na vida.

O que sabemos do trabalho em nosso laboratório é que quão certo você se sente não é um bom indicador de quão certo você deve se sentir com base na força das evidências. A pesquisa liderada por Louis Martí em nosso laboratório mediu a confiança e a precisão das pessoas no processo de aprendizado de um novo conceito. O que descobrimos foi que a certeza das pessoas não foi prevista pela força da evidência. Em vez disso, foi prevista pelo feedback. Se as pessoas adivinharam a resposta a uma pergunta e acertaram de alguma forma, sua confiança permaneceu alta, mesmo quando as respostas subseqüentes foram erradas. Esse feedback positivo inicial criou uma alta certeza que não podia ser abalada.

Digamos que você ouça que a luz do sol cura as pessoas doentes e, portanto, passa algum tempo do lado de fora da próxima vez que pegar um resfriado ou abrir as cortinas do quarto e parecer curar mais rapidamente. Você diz ao seu amigo, ele tenta, ele diz que melhorou mais rápido também. Agora você tem certeza de que a luz do sol cura a doença. Mas talvez a luz do sol tenha deixado você menos atento aos seus sintomas, ou talvez você tenha um resfriado leve que segue seu curso. Mas como você tem certeza dos poderes curativos da luz solar, não está aberto a dados subsequentes. Portanto, se alguém sugere que talvez a luz do sol não cure doenças, você não está realmente interessado. Por que você deveria estar? Você descobriu que sim!

Que tipo de liderança é necessária agora, considerando nossos sistemas de crenças, e o que está em jogo?

Todos nós precisamos ser mais intelectualmente humildes. Todos nós precisamos reconhecer que quão certos nos sentimos é irrelevante para quão certos devemos ser. Precisamos reconhecer que existem cientistas e especialistas médicos por aí que têm o conhecimento e a experiência de que precisamos para tomar decisões inteligentes e que estão dispostos e capazes de compartilhar essas informações conosco.

Precisamos de nossos líderes, especialmente agora, para entender o papel que eles têm nisso tudo. Palavras não são apenas palavras. As palavras são a base das crenças, e crenças conduzem nosso comportamento. As pessoas que não acreditam que a pandemia é real ou que ela se espalhará colocam a si e a todos os outros em risco por não fazerem o que precisa ser feito para impedi-la.

A mídia e as plataformas online que disseminam informações também têm um papel fundamental a desempenhar. Muitos sites online repassam e reciclam conteúdo, o que pode distorcer artificialmente o nível aparente de acordo ou desacordo existente na população. É importante que as pessoas que criam e selecionam essas informações e gerenciam plataformas de entrega reconheçam o papel profundo que desempenham na formação de crenças e na mudança de mentes. Eles devem estar cientes da responsabilidade que carregam em tempos de crise.

As pessoas podem ser ensinadas a ter uma mente mais aberta?

É possível. As crenças não são estáveis, acabam porque estamos constantemente recebendo novos dados e atualizando. Pode parecer desanimador que as pessoas se desinteressem assim que tiverem certeza. Mas vejo esperança no fato de que as pessoas são fundamentalmente sociais e que procuram se envolver com as outras. As pessoas são sensíveis às crenças daqueles que as rodeiam. Quando essas crenças mudam, as pessoas podem reconsiderar suas posições. É por isso que falar sobre o que está acontecendo é importante, e as pessoas informadas que sabem mais devem estar falando mais alto.

Quanto aos cientistas comportamentais e cognitivos, ainda não sabemos se a tendência a manter crenças dúbias pode ser treinada com pessoas. É algo em que muitos pesquisadores, inclusive nós, estão interessados ​​no momento. Se as pessoas estão cientes de sua falibilidade, podem ser ensinadas a moderar seu comportamento de acordo. Estamos investigando a viabilidade dessa ideia. Vamos testar e ver, porque é assim que a ciência funciona.

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